– Vi a Clara, ontem.
– Opa, e aí? Rolou um clima? Um remember?
– Ela estava acompanhada…
– Não vai me dizer que…
– Sim, tava com uma menina.
Felipe não sabia se ria ou se chorava. Era a quinta vez consecutiva que isso acontecia com Tiago. Toda menina que ele beijava quase que imediatamente passava a se interessar por outras meninas. Na primeira vez foi engraçado, na segunda vez também, na terceira passou a ser preocupante e agora já não tinha mais a menor graça.
– De novo, cara!?
– De novo. Não ta certo isso, na boa, tem alguma coisa muito errada.
– O que é que você faz com essas minas, velho?
– E eu sei lá? Começou com a Ju e depois não parou mais.
A Ju. Antes ela era uma menina quieta. Baixinha, loira, uma graça. Aí Tiago saiu com ela e a beijou. Então, como num passe de mágica, na semana seguinte ela apareceu quieta, baixinha, loira, uma graça. E beijando meninas. Quando perguntaram a respeito ela apenas deu de ombros.
– Acho que eu apenas nunca tinha experimentado.
Tiago, obviamente, foi motivo de piada por semanas a fio. Mas tudo se esquece, tudo passa, e tudo se repete. Camila era uma menina estudiosa. Gostava de ler e passava as horas tirando notas no violino. Usava uma franja reta na linha das sobrancelhas e óculos que lhe davam um aspecto de intelectual. Quase um estereótipo de seriado adolescente. A menina estudiosa.
Um dia Tiago a encontrou na biblioteca – Oh, a originalidade! – e conversaram um pouco e marcaram de sair. Caminharam pelo parque, jogaram conversa fora e se beijaram.
Três dias depois Tiago a encontrou novamente na biblioteca. Estava entre as prateleiras de geografia e direito, agarrando Sandra como se nada mais importasse no mundo.
– Eu estava confusa, eu acho. – Disse a garota ao ser interrompida – Me desculpe.
E voltou a beijar sua parceira no meio daquele ambiente originalmente habitado por virgens. Obviamente o novo fato fez com todos lembrassem do episódio anterior, e Tiago novamente ficou conhecido como o cara que tornava as meninas lésbicas.
E isso, por algum motivo desconhecido, gerou o efeito contrário do esperado. Ao invés de afastar as meninas dele, atraiu. E atraiu justamente a Marina. O desejo de todo homem em um raio de cem quilômetros. A Marina era simplesmente maravilhosa. Corpo torneado, bronzeado perfeito, lábios carnudos. Parecia ter saído direto de uma propaganda sexista de cerveja. E ela começou a dar em cima do Tiago.
– Vou ensinar ele a agradar uma mulher! – ela dizia.
– Estou vendo uma mulher… – ela disse na semana seguinte.
E todos pararam de rir de Tiago. Não era engraçado. Não era triste, também. Era misterioso, confuso, extraordinário.
Obviamente as teorias começaram a surgir: Macumba, aliens, voodoo, illuminati, maçons e, a mais provável, aquilo tudo era obra da ditadura gay.
Tiago passou um bom tempo sozinho. Meses sem nem ao menos tentar um novo relacionamento. “Frustrado” seria uma palavra muito simples para descrever o que sentia. “Fraxtantrico” talvez fosse uma palavra melhor, se fosse uma palavra de verdade e significasse algo maior do que frustração.
Após meses de reclusão, seus amigos finalmente deram um fim ao seu regime de vídeo-games, doritos e coca-cola. Levaram-no em uma festa, onde conheceu a Paula. E beijou a Paula. E quando foi adicionar Paula nas redes sociais no dia seguinte, recebeu uma resposta que, a essa altura, já nem era mais surpresa.
“Oi, Tiago, tudo bem? Viu, eu estou te aceitando e tal, mas eu preciso te contar uma coisa. Eu estava muito confusa ontem e não sabia bem o porquê, mas não é culpa sua, viu? O problema é comigo, eu preciso aceitar que eu gosto mesmo de meninas. Mas ainda podemos ser amigos, ok? Eu te achei muito divertido, beijos.”
Não era o fim do mundo. Seguir a ordem franciscana e se submeter ao celibato é sempre uma opção. Quem sabe não terminava como monge karateca no tibet, ou mesmo Papa! Tiago não sabia por que seu beijo lesbificava as meninas, e isso era aceitável. Não ter a menor ideia de como a ordem franciscana funcionava e de como o Papa e o Tibet não tem nenhuma ligação, por outro lado, não. Existia o Google, pelo amor de Deus!
Mas Tiago não desistiu. Seguiu sua vida, porque a vida existe para ser seguida. E numa bela manhã de sol, atropelou Clara. Nem toda história de amor começa com a sutileza de um atropelamento, mas tudo bem, porque Clara não rendeu uma história de amor. Ele a levou ao hospital, mesmo contra a vontade da moça, que afirmava não sentir dor. Conversaram, se conheceram, marcaram de tomar um café. E agora Tiago conversava com Felipe.
– Cara…
– Pois é.
– Que merda.
– Nem fale.
O silêncio pairou entre os dois por alguns segundos. Subitamente, um sorriso surgiu no rosto de Felipe.
– Cara, é isso! Você precisa usar esse teu poder para o bem!
– Esse meu… poder?
– Ta ligado a Carol?
– Sim, sei.
– Beija ela!
– Cara, ta sabendo que a Carol…
– Sim, exatamente! A Carol é lésbica, se você beijar ela é capaz dela começar a gostar de homens.
– Isso nem ao menos faz sentido, velho! E como é que eu vou beijar ela se ela só curte mulher?
– Não sei, cara, dá teus pulos. Faz isso pelos irmãos, cara! Ela é demais.
Não havia o que discordar aqui. A Carol era demais. Baixinha, cabelo curtinho, preto. Divertida, gente boa, simpático e muito gostosinha. Ela era, sem dúvida, o motivo por trás de inúmeros torcicolos. O pescoço masculino não foi feito para virar tantos graus.
Mas ela gostava de mulheres e isso nunca foi segredo para ninguém. Ela era confiante o suficiente para deixar isso claro. E não foi por falta de pretendentes. Tanto homens sérios quanto babacas que juravam que ela só era assim por nunca ter encontrado o cara certo. Ela podia ficar com um homem, ela só não queria.
Muita gente não sabia o que fazer no momento do desespero. Tiago era um desses. Após tantos fracassos seguidos resolveu jogar a toalha.
– Quer saber? Eu não tenho nada a perder mesmo. Se der certo eu fico com uma gata, se der errado eu tomo um fora. Ainda vai ser melhor do que as outras situações.
E no dia seguinte Tiago ligou para Carol. Marcou de sair e tomar umas cervejas com os amigos. Uma coisa informal e corriqueira, que ela prontamente concordou. No dia marcado, em cima da hora, Tiago ligou, fazendo sua melhor voz de chateado.
– Carol, é o Tiago, tudo certo?
– Opa, tudo certo sim! Se está esperando uma confirmação está gastando crédito, já estou a caminho do bar.
– Então, te liguei justamente por isso. O pessoal me ligou aqui, diz que um amigo deles convidou pra uma festa, lá na cidade dele. Aí a galera foi. Só sobrou eu e você pra ir no bar.
– Ah, entendo. E você não quer mais ir?
– Não, não é isso! Só quero saber se tem problema, se você quer ligar pra mais alguém e tal.
– Nem te preocupa, vamos nós dois mesmo. Qualquer coisa a gente liga pra alguém depois.
– Beleza, te encontro lá.
Tudo naquela história era mentira, mas o resultado era real. Eles iam para um encontro a dois. Nada mais romântico do que beber cerveja na calçada do bar.
Tiago logo foi ao bar e ainda chegou mais cedo do que sua companheira. Ela também não demorou muito. Vestia uma calça jeans e uma camisa branca. Estava estonteantemente linda. Pediram uma cerveja e começaram a conversar. Sempre banalidades. Falaram de música, televisão, de como os amigos eram cuzões, de cinema, livros, trabalho. E começaram a falar um sobre o outro. Era incrível como Carol era uma companhia agradável, e ela se surpreendeu com Tiago. Ela o conheceu no seu período depressivo, não imaginava que fosse um sujeito tão despreocupado e alegre. Talvez fosse a cerveja.
Ao fim da noite estavam ambos rindo a toa. Cerveja demais. Vendo que já estava tarde, Tiago gentilmente se ofereceu para levar Carol até em casa. Esta aceitou, para a surpresa do mesmo. Caminharam, conversaram, riram. No meio do caminho ela simplesmente segurou na mão dele. Em frente a porta do apartamento dela, se beijaram.
Ele até tentou entrar, mas ela apenas riu.
– Não tão rápido, Don Juan. Boa noite.
Ela entrou em casa e ele ficou parado na porta. E agora? Será que a teoria de Felipe seria verdadeira e Carol passaria a se interessar por rapazes? Ou ela continuaria como era e foi tudo efeito do álcool? O que mais incomodava é que ele estava realmente gostando dela. Bom, somente o tempo diria.
Voltou para casa sozinho, mas com um sorriso bobo estampado no rosto. Dormiu sorridente, ainda que com os testículos azulados.
Despertou sem ressaca na manhã seguinte, escovou os dentes e tomou um banho. Almoçou sozinho e, logo no começo da tarde, recebeu um telefonema:
– Eu nunca sai com um cara antes, então eu não sei se sou eu quem tem que ligar no dia seguinte ou não.
Era Carol! Ela estava ligando para ele e obviamente falando como alguém que quer um relacionamento.
– Ah, nem me importo com esses protocolos, que bom que ligou. Dormiu bem?
– Como uma princesa. E aí, está a fim de fazer alguma coisa?
– Claro, tem algo em mente?
– Então, ta passando um filme bacana no cinema.
– Sobre o que é?
– Ah, é tipo um documentário. O cara perdeu a memória, né. Aí um amigo dele filma todos os primeiros encontros dele com familiares, amigos e tal. E todo mundo diz que ele ta bem mudado, mais otimista. Tempos depois ele começa a sair com uma mulher. E aí ele fica com medo de recuperar a memória e dela não gostar mais dele e tal.
– Massa! Vamos sim. Quer que eu te busque ou a gente se encontra lá?
– Poxa, nem to acostumada a esses cavalheirismos. A gente se encontra lá.
– Beleza, então. Até mais.
E o casal foi ao cinema, onde se beijaram um pouco mais. E tomaram sorvete. E, novamente, ela não o deixou entrar em sua casa. E no dia seguinte foram ao parque, e foram ao zoológico, e aí sim foram para a sua casa.
E duas semanas depois ambos estavam no que se pode chamar de relacionamento sério. Um belo dia, passeando pelo shopping, encontraram Felipe.
– E aí, cara, tudo certo!?
– Fala, Felipe, beleza?
– Firme. Como é que tá, anda sumido.
– Então.
– Meninos, se vocês não se importam, eu vou deixar vocês conversando enquanto olho umas vitrines. – Interrompeu Carol.
– Tudo bem, amor, vai lá.
E ficaram os dois homens a sós.
– Cara, eu disse que era só tu beijar uma lésbica que ela virava hetero.
– Pois é, tava certo mesmo.
– Mas você também fodeu com tudo, né?
– Como assim?
– Porra, cara, era só pra beijar e largar. Pensa em quanta gata que não podia estar disponível agora.
– Velho, você tá dando em cima da minha namorada?
– Não! Não só ela, várias outras. As amigas dela e tal.
– Cara, pára.
– Pensa, a Inês, a Vera, cara! Termina com a Carol.
– Na boa, não é engraçado.
– Você não está entendend…
Antes que pudesse continuar, Tiago agarrou Felipe pelo colarinho e deu nele o mais intenso beijo que já deu em qualquer pessoa. Felipe olhou para ele e foi se afastando enquanto gaguejava:
– E…E…Eu nunca tinha… nunca pensei sobre isso… eu… eu preciso ir!
E saiu correndo no meio do shopping, sem olhar para trás. Na semana seguinte, Felipe começou a sair com Marcos.